Cultura, Economia Solidária e Direito à Cidade

O conceito de direito à cidade, formulado por Henri Lefebvre em 1968, tornou-se um dos fundamentos ético-políticos que orientam a atuação da Associação dos Empreendedores Criativos do Cariri (AECC) e da Feira Cariri Criativo. Lefebvre defendia que a vida urbana deveria ser apropriada e recriada pelos cidadãos, superando a condição de simples usuários da cidade para assumir um papel ativo em sua transformação. Esse direito coletivo não se restringe ao acesso a bens e serviços, mas inclui a capacidade de intervir e redefinir os rumos do espaço urbano em favor da igualdade e da democracia.

No Brasil, esse princípio foi incorporado à Constituição Federal de 1988 e ao Estatuto da Cidade de 2001, mas a distância entre a norma jurídica e a realidade concreta ainda é enorme. A desigualdade social, a segregação urbana e as violações de direitos marcam o cotidiano de milhões. É nesse contexto que experiências locais como a Feira Cariri Criativo assumem um papel exemplar: demonstram que a cultura, a economia criativa e a solidariedade são instrumentos concretos de democratização do espaço urbano e de fortalecimento do direito à cidade.

A Feira Cariri Criativo não é apenas um evento periódico, mas uma plataforma que dá vida a esse conceito. Ao ocupar o Largo da antiga RFFSA no Crato, a feira ressignifica um espaço antes marginalizado, devolvendo-o à comunidade como lugar de encontro, convivência e produção cultural. Esse gesto é político e simbólico, pois reafirma a função social da cidade e garante acesso democrático à arte, à gastronomia, à música e ao Trabalhador Solidário. Assim, a AECC contribui para materializar, em escala local, um direito que é coletivo e universal.

A AECC e sua trajetória

Fundada a partir de um processo comunitário que remonta a 2014, quando a feira ainda era um projeto extensionista da Universidade Federal do Cariri (UFCA), a AECC consolidou-se em 2023 como entidade autônoma, com CNPJ próprio e gestão comunitária. Desde então, mais de cem edições da Feira Cariri Criativo foram realizadas em diferentes cidades do Cariri, envolvendo artesãos, músicos, artistas visuais, escritores, agricultores urbanos, coletivos de juventude e Trabalhadores Solidários Criativos.

Essa trajetória demonstra que a AECC é mais que uma associação de criativos: é uma rede de solidariedade e cooperação que articula a economia popular, a cultura viva e a inclusão social. Ao longo dos anos, a feira tornou-se sinônimo de diversidade, inovação e resistência, projetando o Cariri como polo criativo do Nordeste.

Feiras temáticas e patrocínios

A consolidação da feira se deu, em grande parte, pelo apoio de patrocínios estratégicos que reconheceram sua relevância cultural e social. Em 2025, duas edições foram marcantes: a Feira Sabores de Páscoa e a Feira Flores de Maio, ambas no Crato, realizadas com o patrocínio do PRODETER do Banco do Nordeste.

Na Feira Sabores de Páscoa, oficinas gastronômicas, apresentações culturais e exposições artísticas mostraram a potência da gastronomia como linguagem cultural e como vetor de economia criativa. A Feira Flores de Maio, por sua vez, celebrou o protagonismo feminino e as tradições do Cariri, unindo arte, música e memória. Ambas só foram possíveis pela confiança e pelo apoio do Banco do Nordeste, que, através do PRODETER, não apenas financiou a estrutura, mas também reafirmou seu compromisso com o desenvolvimento regional inclusivo.

Antes, a feira ampliou sua projeção ao realizar no mês de março o GastroCrato Festival de Gastronomia de Rua, patrocinado pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura (PNAB). Esse evento foi uma síntese da filosofia da AECC: unir saberes tradicionais da culinária regional com inovação contemporânea, promover inclusão produtiva e transformar a gastronomia em ponte entre cultura e desenvolvimento econômico.

Edições Especiais da Feira Cariri Criativo

GastroCrato – Festival Gastronomia de Rua com o PNAB

Em março de 2025, a Feira Cariri Criativo deu um passo decisivo em sua consolidação ao realizar o GastroCrato – Festival Gastronômico Criativo, evento patrocinado pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura (PNAB). O festival reuniu mais de cinquenta feirantes, consolidando o Cariri como referência em gastronomia criativa no interior do Nordeste. O espaço da RFFSA foi transformado em uma verdadeira aldeia gastronômica, com tendas, cozinhas-show, área infantil e palco cultural. O público circulava entre pratos regionais reinventados – como a panelada gourmet, o baião de dois com carne de sol defumada e os bolos artesanais de sabores do Cariri – e apresentações musicais que iam do forró raiz ao rock cordel. A chef convidada,  Fernanda Mendes , sintetizou o espírito do evento ao afirmar:

“O GastroCrato mostra que a culinária do Cariri é sofisticada e diversa. Aqui a gente prova que a cozinha regional pode dialogar com técnicas contemporâneas sem perder sua alma.” O impacto foi imediato: mais de cinco mil visitantes circularam durante os três dias do festival, gerando renda significativa para os criativos locais. Para o público, a experiência uniu sabor, cultura e pertencimento. O patrocínio do PNAB foi decisivo para garantir infraestrutura, divulgação e a vinda de chefs convidados. Mais que um apoio financeiro, foi um reconhecimento nacional da relevância da Feira Cariri Criativo como polo de inovação cultural.

Sabores de Páscoa – Tradição reinventada com o PRODETER

A edição especial Sabores de Páscoa, realizada em março de 2024 no Largo da RFFSA, marcou o calendário cultural do Cariri ao transformar a simbologia da Páscoa em uma experiência coletiva de sabores, memórias e inovação gastronômica. Patrocinada pelo PRODETER – Banco do Nordeste, a feira contou com a participação de mais de sessenta feirantes, entre doceiros, confeiteiros, artesãos e agricultores urbanos.

As bancas exibiam desde ovos de chocolate artesanal com recheios de frutas regionais, como maracujá do mato e umbu, até bolos de pote e doces tradicionais reinventados. O trabalhador solidário, Gustavo da Vitalize que levou seus produtos naturais disse:

“Eu nunca tinha participado de um evento tão grande. O PRODETER e a Feira Cariri Criativo deram visibilidade para o meu trabalho. Vendi tudo em duas horas e já recebi encomendas para o resto do mês.”

O público, estimado em mais de 2000 pessoas nos dois dias de programação, destacou a qualidade dos produtos e a atmosfera comunitária do espaço.  O PRODETER, ao patrocinar a feira, reafirmou seu compromisso em associar tradição cultural à inovação econômica. Essa parceria mostrou como a Páscoa, mais do que uma data religiosa, pode ser uma oportunidade de circulação de renda local e valorização de talentos comunitários.

Flores de Maio – Protagonismo feminino em foco

Logo após a Páscoa, em maio de 2024, a edição Flores de Maio transformou o Largo da RFFSA em um jardim simbólico de diversidade, memória e protagonismo feminino. Também patrocinada pelo PRODETER, essa edição buscou valorizar a força das mulheres Trabalhadoras Solidárias do Cariri, muitas delas chefes de família que encontraram na feira um espaço de autonomia e reconhecimento.

As expositoras que estiveram presentes, trazendo desde bordados e rendas tradicionais até cosméticos naturais, plantas ornamentais e comidas típicas. A artesã Giovanna da Gió Atelié conhecida pelos colares feitos com cerâmica plástica, afirmou: “A feira me deu coragem para acreditar que o meu artesanato tem valor. Antes eu vendia só na vizinhança; agora tenho clientes que pedem meus colares em Fortaleza e até em São Paulo.” O evento também contou com rodas de conversa sobre economia solidária e apresentações musicais de artistas locais, reforçando o caráter cultural e inclusivo da feira. O público elogiou a diversidade e destacou o ambiente seguro e acolhedor.

A parceria com o Banco do Nordeste foi fundamental para estruturar a edição. Além do aporte financeiro, a instituição promoveu oficinas de educação financeira voltadas para mulheres Trabalhadoras Solidárias, ampliando o impacto para além das vendas. Essa integração entre cultura, economia e formação fortaleceu a percepção de que a Feira Cariri Criativo é, acima de tudo, uma escola de cidadania e um laboratório de inovação social.

Feedbacks e aprendizados

As três edições especiais – Sabores de Páscoa, Flores de Maio e GastroCrato – revelaram a capacidade da AECC de articular cultura, economia e solidariedade em um mesmo espaço. Os depoimentos dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Economia Solidárias demonstram o impacto direto na geração de renda e na autoestima dos participantes. O público, por sua vez, respondeu com entusiasmo, reforçando a feira como um espaço de convivência, aprendizado e lazer.

Cada parceria institucional ampliou o alcance e a credibilidade da feira. O PRODETER, ao apoiar as edições de Páscoa e Maio, contribuiu para estruturar a base do projeto, associando desenvolvimento econômico e protagonismo comunitário. O PNAB, ao patrocinar o GastroCrato, projetou a feira em escala nacional, mostrando que a cultura gastronômica do Cariri dialoga com os grandes festivais criativos do Brasil.

Essas experiências também trouxeram aprendizados importantes: a necessidade de ampliar a comunicação digital, fortalecer as redes de logística para os Trabalhadores Solidários e diversificar ainda mais as programações culturais. A AECC já trabalha para que as próximas edições incorporem esses aprendizados, consolidando a feira como referência de economia solidária e criativa.

Reconhecimento e impacto

O reconhecimento da Feira Cariri Criativo pelas autoridades locais é visível. A feira é parte da programação cultural oficial do Crato e recebe apoio da Secretaria Municipal de Cultura e do Sistema Fecomércio/Sesc/Senac. Autoridades locais reconhecem publicamente a relevância do projeto, que movimenta turismo, ativa o comércio e projeta o Cariri como polo criativo.

O impacto também se mede pelos números: mais de 186 Trabalhadores Solidários cadastrados, cerca de oitocentas a mil pessoas em média por edição e uma rede de confiança e solidariedade que vai muito além do comércio. Para os Trabalhadores Solidários, a feira significa oportunidade de renda, visibilidade e dignidade. Para a cidade, significa vida cultural, turismo e inclusão.

Próximos passos

As próximas edições da Feira Cariri Criativo já estão programadas para os meses de novembro, dezembro, janeiro e fevereiro, em formato de circuito territorial, contemplando Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha e Brejo Santo. A cada edição, de sessenta a oitenta Trabalhadores Solidários deverão participar, movimentando centenas de visitantes e fortalecendo o Banco Comunitário do Cariri.

Além das feiras, oficinas formativas em economia solidária e educação financeira ampliarão a capacitação de Trabalhadores Solidários, especialmente mulheres chefes de família e jovens periféricos. O objetivo é formar agentes locais de crédito solidário, capazes de gerir fundos rotativos e moedas sociais em suas comunidades.

Economia Solidária e Moeda Social

Outro marco da trajetória da AECC foi a criação da moeda social Kariris e a estruturação do Banco Comunitário da Feira. Essas ferramentas colocam em prática a filosofia da economia solidária: circulação interna de renda, autogestão, reciprocidade e fortalecimento das cadeias produtivas locais. Com o fundo rotativo solidário, pequenos Trabalhadores Solidários têm acesso a crédito comunitário, superando barreiras impostas pelo sistema financeiro tradicional.

Essa experiência de finanças comunitárias, articulada às feiras criativas, é um diferencial único da AECC. Não se trata apenas de realizar eventos culturais, mas de instituir bases econômicas que ampliem a autonomia dos Trabalhadores Solidários e reforcem a sustentabilidade do território.

Plano Diretor, direito à cidade e participação social

A atuação da AECC dialoga diretamente com o Plano Diretor e com as políticas de desenvolvimento urbano. Ao revitalizar espaços públicos como a RFFSA, a feira cumpre a função social da cidade, promove a inclusão e evita a segregação espacial. Além disso, a associação participa de debates sobre planejamento urbano e integra fóruns e redes que discutem o futuro do Cariri.

Essa participação cidadã conecta a AECC a uma agenda mais ampla: a defesa do direito à cidade como instrumento de justiça social. A feira mostra que a cultura pode ser motor de transformação urbana e que a economia criativa é um caminho para revitalizar espaços, gerar renda e garantir dignidade.

Fundos solidários e mecanismos de financiamento

O fortalecimento da AECC e da Feira Cariri Criativo também passa pelo acesso a diferentes mecanismos de financiamento. Programas como o Crediamigo e o PNMPO, do Banco do Nordeste, são exemplos que oferecem microcrédito produtivo orientado a pequenos Trabalhadores Solidários. Fundos rotativos solidários e cooperativas de crédito, como Sicredi e Sicoob, também contribuem para financiar iniciativas locais.

Além disso, fundos solidários como o Nordeste Solidário e editais públicos e privados possibilitam captação de recursos para novos projetos de economia solidária. A moeda social Kariris, por sua vez, traz um exemplo concreto de como a AECC inova ao integrar práticas financeiras ao fortalecimento da cultura e da identidade regional.

Compromisso com os ODS e a sustentabilidade

A Feira Cariri Criativo se alinha aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Ao promover inclusão social, combater desigualdades, valorizar a cultura e incentivar práticas sustentáveis, a feira contribui para a Agenda 2030. Os ODS 1, 4, 5, 8, 10, 12, 16 e 17 estão diretamente contemplados nas ações da AECC. A sustentabilidade também está presente nas práticas do evento: oficinas de reciclagem e reaproveitamento, estímulo ao consumo consciente, uso de materiais biodegradáveis e mensagens educativas que incentivam práticas ambientais responsáveis.

Próximos Passos: ADS e UPS como pilares de sustentabilidade

A consolidação da Feira Cariri Criativo como espaço de circulação cultural, econômica e afetiva trouxe aprendizados que apontam para a necessidade de avançar em novas frentes estruturantes. O impacto gerado pelas edições temáticas – Sabores de Páscoa, Flores de Maio e GastroCrato – mostrou que o território do Cariri dispõe de um enorme potencial de produção, mas também revelou gargalos relacionados à logística, ao armazenamento, à escala de produção e à continuidade da comercialização. Diante dessa realidade, a Associação dos Empreendedores Criativos do Cariri (AECC) traça agora um horizonte estratégico que se apoia na criação dos Armazéns Democráticos Solidários (ADS) e das Unidades Produtivas Solidárias (UPS).

Os Armazéns Democráticos Solidários surgem como uma resposta concreta às demandas de estocagem, escoamento e visibilidade dos produtos criativos e comunitários. Diferentemente de um simples espaço de depósito, os ADS’s se propõe a ser centro de articulação, onde a produção artesanal, gastronômica e cultural possa ser organizada em rede, garantindo condições adequadas de conservação e distribuição. O conceito é inspirado em práticas já consolidadas em outros territórios de economia solidária, mas adaptado à realidade do Cariri, que alia tradição e inovação. O armazém funcionará também como vitrine permanente, aberta à visitação e ao consumo, ampliando a presença dos produtos locais para além dos dias de feira. Dessa forma, cria-se um canal contínuo de circulação de renda e de fortalecimento da marca coletiva “Cariri Criativo”, com potencial para atender tanto ao mercado interno quanto a demandas externas, em articulação com iniciativas de turismo cultural e gastronômico.

As Unidades Produtivas Solidárias, por sua vez, são o passo que antecede o armazém, pois respondem à necessidade de dar escala, qualificação e padronização à produção dos Trabalhadores Solidários. Estruturadas em núcleos cooperativos e comunitários, as UPS oferecem espaço coletivo de trabalho, maquinário compartilhado e suporte técnico especializado, permitindo que artesãos, agricultores urbanos, costureiras, doceiras e artistas visuais possam aumentar sua capacidade de produção sem perder a identidade artesanal de seus produtos. Cada unidade funciona como uma escola-laboratório, onde a prática produtiva se une à formação em gestão, design, marketing e finanças solidárias, fortalecendo a autonomia e a autogestão dos grupos envolvidos.

O diferencial desses dois eixos – ADS e UPS – está na articulação direta com a moeda social Kariris e com o Banco Comunitário do Cariri. Tanto os armazéns quanto as unidades produtivas serão integrados ao fundo rotativo solidário, criando um circuito fechado de crédito, produção e consumo que reforça a circulação interna da renda. Assim, a experiência das feiras não se limita mais ao calendário de eventos, mas se projeta em uma cadeia produtiva contínua e sustentável.

Outro aspecto relevante é a dimensão territorial. Os ADS e as UPS não estarão concentrados em um único município, mas distribuídos de forma estratégica em cidades como Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha e Brejo Santo, ampliando o alcance do projeto e garantindo que cada localidade se reconheça como parte ativa da rede. Essa descentralização fortalece a lógica da economia solidária e contribui para democratizar o direito à cidade, aproximando produção, consumo e cidadania.

Os impactos esperados são múltiplos: aumento da renda média dos Trabalhadores Solidários, redução das perdas por falta de armazenamento adequado, melhoria na qualidade e competitividade dos produtos, maior visibilidade da produção local, fortalecimento de redes comunitárias e expansão do alcance da moeda social. Além disso, tanto os armazéns quanto as unidades produtivas se alinham aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, sobretudo os que tratam de trabalho decente, inovação, redução das desigualdades e fortalecimento de comunidades sustentáveis.

Se a Feira Cariri Criativo foi a semente que germinou uma rede de economia solidária no Cariri, os ADS e as UPS são o tronco e os galhos que garantirão sua sustentação e crescimento futuro. Representam não apenas um passo adiante na organização produtiva, mas a consolidação de um modelo replicável, capaz de inspirar outras regiões do Nordeste. E nesse percurso, o Banco do Nordeste, junto a outros parceiros institucionais, tem papel estratégico como investidor e patrocinador de um projeto que une inovação social, fortalecimento comunitário e desenvolvimento regional.

Conclusão

A trajetória da Feira Cariri Criativo e da Associação dos Empreendedores Criativos do Cariri (AECC) nos últimos anos confirma que o desenvolvimento regional pode ser pensado a partir de experiências comunitárias, culturais e solidárias, transformando práticas locais em políticas de impacto coletivo. O percurso iniciado em 2014 como um espaço experimental de encontro entre artistas, artesãos e coletivos comunitários consolidou-se como um movimento de referência, capaz de reinventar formas de comercialização, criar ferramentas de finanças comunitárias e articular a cultura como eixo estruturante de desenvolvimento. A consolidação da moeda social Kariris e do Banco Comunitário do Cariri mostra que o território aprendeu a confiar em si mesmo, valorizando a circulação interna de renda e ampliando a autonomia dos pequenos Trabalhadores Solidários. Ao mesmo tempo, as edições temáticas das feiras — Sabores de Páscoa, Flores de Maio, GastroCrato e tantas outras — revelaram o potencial de diálogo com a diversidade cultural e gastronômica, fortalecendo laços sociais e redes econômicas.

É importante frisar que tais conquistas não ocorreram sem desafios. A burocracia, os atrasos em repasses e as dificuldades operacionais expuseram limites ainda presentes em nosso ecossistema cultural e comunitário. No entanto, esses obstáculos serviram para amadurecer os processos, reforçando o compromisso da associação com a transparência, o diálogo institucional e a criação de soluções criativas, como as mediações acessíveis, a documentação audiovisual e o uso de ferramentas digitais. Foi nesse cenário que os patrocínios da Lei Aldir Blanc (PNAB) e, mais recentemente do PRODETER do Banco do Nordeste se mostraram fundamentais, não apenas como financiamentos pontuais, mas como afirmação de confiança no trabalho realizado pela AECC. São eles que têm permitido que artistas e Trabalhadores Solidários, muitas vezes sem espaço nos equipamentos públicos, encontrem na Feira Cariri Criativo um território fértil para sonhar, produzir e viver da própria arte e do próprio ofício.

O futuro que se anuncia com os Armazéns Democráticos Solidários (ADS) e as Unidades Produtivas Solidárias (UPS) reforça esse horizonte de expansão. Se as feiras foram o campo de experimentação e a prova viva da potência da economia solidária, os armazéns e unidades produtivas serão as bases permanentes de sua continuidade, garantindo que o fluxo produtivo não dependa exclusivamente dos calendários de eventos. Essa etapa é estratégica porque transforma a experiência efêmera da feira em cadeia produtiva consolidada, que organiza a produção, qualifica a circulação e multiplica os impactos territoriais. É nesse ponto que o direito à cidade se materializa: na ocupação de espaços urbanos com sentido comunitário, no fortalecimento de redes que reduzem desigualdades e no desenho de uma economia que não exclui, mas integra.

Assim, a Feira Cariri Criativo deixa de ser apenas um evento cultural para se afirmar como política comunitária de desenvolvimento. Seu valor está não só na realização de edições específicas, mas na criação de uma pedagogia própria de economia solidária, baseada na reciprocidade, na autogestão e na valorização da identidade regional. Esse modelo, hoje já replicado pelo Governo Federal e pelo MINC em iniciativas como o programa Kariri Criativo, nasce da prática cotidiana de homens e mulheres que acreditaram que a cultura e a solidariedade são caminhos possíveis para transformar realidades. A cada passo, o Cariri Criativo mostra que não se trata apenas de ocupar praças, mas de reconfigurar o território como espaço de vida, convivência e produção justa.

Encerrar este portfólio não é fechar um ciclo, mas abrir portas para novas etapas. As próximas feiras, previstas de novembro a fevereiro, serão marcos de transição, conectando a experiência acumulada à implementação do ADS e das UPS. Ao mesmo tempo, consolidam o Banco Comunitário e a moeda social Kariris como ferramentas de cidadania econômica. Nesse percurso, o Banco do Nordeste se apresenta como parceiro estratégico, não apenas pelo patrocínio financeiro, mas pela função simbólica de motor de transformação territorial, reconhecendo que o Cariri não é apenas um lugar de tradições, mas também de inovação social.

Portanto, a Feira Cariri Criativo e a AECC reafirmam, neste momento, sua vocação: ser espaço de cultura viva, laboratório de economia solidária e catalisador de desenvolvimento regional. Trata-se de um projeto que extrapola fronteiras locais e se inscreve como modelo replicável, capaz de inspirar outros territórios do Nordeste e do Brasil. Se até aqui demonstramos força para resistir e crescer, os próximos passos apontam para um futuro de institucionalização e maior escala. É com esse espírito que concluímos: a Feira Cariri Criativo não é apenas um evento ou uma marca, mas um movimento coletivo, uma conquista cidadã e um compromisso duradouro com o direito à cidade, a dignidade do trabalho e a sustentabilidade das comunidades.

Contatos

  • docariri.iisca@ufca.edu.br
  • paulo.freitas@ufca.edu.br

Local da Feira

A Feira Cariri Criativo passou a ser Itinerante a partir do ano de 2023. Elas acontecem nos mais diversos locais desde praças e parques na região do Cariri assim como nas universidades federal e regional. Siga o Instagram da Feira @cariricriativo para saber como participar!